O menino levantou-se. Saiu da cama e abandonou os lençois gastos e encardidos. Aproximou-se da cómoda e olhou atentamente o seu reflexo no espelho. A luz da lua tornava o seu cabelo escuro um emaranhado sedoso e de prata. Descalço caminhou pelo corredor longo e sombrio, evitando e ranger das tábuas de madeira, deixando marcas dos seus pequenos pés impressas no pó. Desceu a escada larga coberta por uma passadeira puída que outrora fora vermelha. Não sentia frio nem medo. Seguia o seu instinto de menino. Atravessou a cozinha e abriu a porta que dava para o pequeno beco. O frio gelou-lhe o rosto rosado. Josué já esperava por ele. "Olá" disse o menino, com a sua voz cristalina. Todas as noites o mesmo ritual. O menino contava histórias para o mendigo dormir. O menino não tinha nada para dar além do doce conteúdo da sua alma.
Nessa noite foi diferente. Josué contou a sua história. A história de quem teve tudo e foi infeliz. A história de quem fugiu do mundo, fugiu da dor. Falou com uma voz baixa cheia de emoção. O menino não percebia a história, mas sabia que era importante ouvir. O menino sabia que se ficasse, Josué voltava a acreditar.
Quando o sol nasceu, já vinha tarde. O seu calor de nada servia os dois cadáveres. Josué acreditara enfim. E os dois dormiam um sono eterno.
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