A Rolha
Há objectos dos quais não me consigo separar. Não pelo seu valor real mas pela carga simbólica que contêm. São a prova de uma história, de um momento. São os despojos de um tempo apagado, esquecido. Em peridos cíclicos reencontro estes objectos, raramente os procuro. Remeto-os frequentemente para o fundo escuro de uma gaveta, fecho-os numa caixa. Deixo-os longe da vista.
Um desses objectos é uma rolha.
Foi há muito tempo, noutro Tempo. Numa noite igual a todas as noites de sexta-feira de então. Chegou-me às mãos por alguém que tinha activamente contribuido para esvaziar a garrafa que a rolha tapara. Que me pegou na mão e me mostrou a janela do quarto onde dormia. Que me disse que guardasse aquela rolha para sempre. E eu guardei...
Muitas vezes me quis livrar da rolha. Fazia sentido. O Tempo mudara. Pensei queima-la numa espécie de ritual que mercasse o fim. Mas a rolha foi sobrevivendo a todas as crises. Quis esquecê-la, fingir que nunca existira. Mas, quando a sua história ameaçava passar a linha do esquecimento, surgia de novo. A sua superficie áspera molda-se aos meus dedos, tatua-me aquela história. É como se apenas pela sua existência eu pudesse provar de novo o sabor daqueles tempos.
Durante anos (e quase me doi pensar em anos), achei que guardava a rolha por causa dele, por causa da história. Mas agora guardo-a e estimo-a porque representa um pedaço de mim, do que fui, do que sou para lá do Tempo.
PS - A Razão do Post: acho que estou prestes a iniciar o mesmo tipo de ritual com uma caneta...
2 Comments:
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
10:57 da tarde
penso q isso acontece com todos...
tenho vários objectos na carteira dos quais n me consigo separar, n pq significam uma época...mas pq também são parte de mim.
10:58 da tarde
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