Um espelho de tudo o que me vai pela cabeça

segunda-feira, outubro 31, 2005

Conclusões de um fim de semana de chuva

É bom ficar por casa quando chove. Abrir livros fechados há muito tempo, revolver cadernos onde há muito não escrevemos, encontrar cartas que há muito não lemos. A música baixinho lembra outros tempos, outras tardes de chuva. Lembra-me do meu eu de antigamente. Volto a sofrer com questões há muito resolvidas, a rir-me com episódios de que já mal me lembrava. Penso no que sou, no que fui. Em quem somos, no que fomos.

Tudo começa com uma pesquisa absurda no livro de História do 10º ano. Entre discrições entediantes da dinastia carolíngia encontro comentários que me fazem lembrar as tardes de chuva, as salas escuras que pareciam dar para um jardim tropical, as luzes fluorescentes e o quadro negro onde se adivinhavam os pronomes franceses da aula anterior. Enquanto fingiamos estar atentas, concentradas em tirar apontamentos, teciamos comentários absurdos a tudo o que nos rodeava, a tudo aquilo que fazia parte das nossas vidas.

E dávamos alcunhas a tudo e a todos - o que torna agora o meu trabalho mais complicado, mas infinitamente mais divertido. E pormenores tão soltos, tão vagos, tornaram dimensões absurdas e marcaram-nos, fazendo de nós o que somos hoje. Fazendo de mim o que sou hoje.

Foi numa tarde de sol. Falava do Sporting. Nessa altura sabia o neme de todos os jogadores, via todos os jogos. Nunca sabemos o que pode acontecer numa tarde em que o sol toca uma cara de forma diferente. Uma cara de todos os dias, a mesma voz e de repente tudo muda.

Durante quase dez anos vivi e revi esse momento com uma frequência quase assustadora. Fechei uma parte de mim ao mundo. Para além desse revi muitos outros momentos, analisei todos os detalhes. Tantas as cartas que falam disso. Tantas as piadas. Tantas as análises. Foi tanta coisa. Um castelo enorme erguido sobre uma base de nada. mas um castelo que sou eu. Que me defende de mim e dos meus devaneios e que durante anos me afastou de erros que tanto temia cometer.

Acabei por magoar algumas pessoas por ser assim. E por isso magoar-me a mim mesma. Continuei a acreditar nessa ilusão gasta e anacrónica até há muito pouco tempo. Até há pouco menos de um ano. Queria continuar a acreditar, apenas porque achava que não podia sobreviver ao vazio que se seguiria. Era pôr um ponto final a uma parte de mim. À miuda de jardineiras que jogava freneticamente matrecos. Que não tinha preocupações, que tinha um walkman amarelo, que ouvia Beatles, andava de patins e queria descobrir quem matou o Kennedy. Que ia para a rua por ser refilona, que era igual à Mafalda, que abria a pista no Rockline.

Aquele era o último elo com aquela Joana. O último fio. Só que esse fio já não existia. Na verdade, há muito tempo que sou outra. Há muito tempo que esta História deixou de estar relacionada com qualquer tipo de sentimentos. No fundo, serviu apenas para estabelecer um padrão. Uma espécie de grande muralha defensiva.

Agora que eu mesma derrubei essa muralha, sinto-me cautelosamente bem. É uma espécie de liberdade. É como quando aprendemos a andar e descobrimos que há todo um novo mundo de coisas novas ao nosso alcance. Mas há sempre o risco de cair...

E como recuerdo resolvi ficar com a rolha...

6 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Realmente...ser do Sporting pode, um dia, tornar-se numa revelação que muda as pessoas!
Estou a brincar contigo...vá lá...não fiques assim! Uma pessoa começa a trabalhar e muda. Trabalhar faz mal à saúde.

4:21 da tarde

 
Blogger Joana said...

Não foi o trabalho per se, foi a consciência de que, sem dar por isso, já era adulta...

4:40 da tarde

 
Blogger Rodrigo said...

My, my. Where have I been?

5:36 da tarde

 
Blogger Joana said...

Bem, confessemos, o mal eram os meninos da mesa dos matracos, bem...alguns...a ser verdadeira: um...

6:29 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

fogo... as salas do liceu em dias de chuva. o "matagal exótico"! Agora nem sabem como é estranho entrar naquelas salas iguais como as deixámos há anos, agora para votar (brrrr)! sentir a proximidade emocional mas sentir que "já não são nossas"... Já não pertencemos ali.
Da última vez dei por mim a procurar os nossos nomes, frases, qq coisa escrita daquele tempo no Muro. Mesmo sabendo que o muro foi pintado depois de sairmos...

oh miss jones and miss uchy, n queria nada esta nostalgia agora.

já somos adultas (ou quase) mas é tão bom saber que há aguém que sabe como éramos dantes...

pronto agora vou ficar de lagriminha no canto do olho.

nês, n me canso de dizer como gosto como escreves. não apliques esse talento só na área jurídica...

3:27 da tarde

 
Anonymous Anónimo said...

Bem, evoluir é bom. Mesmo que seja assim de repente. E continuarão a existir matrecos e homens giros atrás deles...ou ao lado...

9:09 da tarde

 

Enviar um comentário

<< Home

 
FREE hit counter and Internet traffic statistics from freestats.com