Um espelho de tudo o que me vai pela cabeça

segunda-feira, agosto 29, 2005

Encontro de Fé

Quando fico meia adoentada (que é como quem diz com sintomas de doença, sem ter propriamente febre e essas coisas que provam que estamos doentes), fico sempre com a neura. Ontem estava meia engripada - ranho, dores por todo o lado, sobretudo na garganta, mas nada de febre. Neste estádio fico bastante implicante e nada dada a mimos, pelo que às 17h já não podia ver o meu Pai a fazer-me festas na testa (lá está, a ver se tinha febre) e a oferecer-me chá (para ele o chá é cura para todos os males). Resolvi dar um giro, quanto mais não fosse para espalhar o virús pela população de Campo de Ourique - também, como são todos velhos devem estar vacinados...

Enfim, andava eu deambulante, sem destino por essas ruas que conheço de cor quando resolvi entrar na Igreja de Santo Condestável. Normalmente só frequento igrejas quando forçada a isso (casamentos, baptizados, velórios e afins). Desta vez entrei só porque sim (bem... também porque me apetecia sentar um pouco e os bancos no exterior da Igreja estavam cheios daquela fauna do fato de treino que faz gzut gzut quando andam). Enfim, o certo é que entrei.

Estavamos naquele interregno entre missas. Tirando algumas velhas - que vivem lá, acho que são pagas até para comporem a Igreja nas horas vagas... - a igreja estava vazia. Sentei-me e pus-me a olhar qual turista. Nunca tinha entrado naquela igreja. Também não andava a perder nada, diga-se. Depois fiquei ali parada, a olhar para os atacadores dos ténis, que para não variar estavam desapertados e a pensar se me devia pôr ali de rabo para o ar a apertá-los ou se esperava sair, ou até se cagava no assunto e saia dali para casa e quando lá chegasse descalçava-me.

O certo é que devia estar com ar de profunda meditação teológica, porque houve uma velha que se veio sentar ao meu lado - repito, a igreja estava vazia. "A menina tem muita fé, não tem?". Até achei que estava a gozar. Ri-me e não disse nada. "Gosto de ver jovens assim. Como aqueles que foram ver o Santo Padre na Alemanha". Voltei-me a rir, nervosamente. "Bem, vou deixá-la" e com um sorriso beatífico, lá se juntou às restantes nas filas da frente.

Fiquei com cara de cágado. Se saísse, a velha ainda pensava que era por causa dela (e era!) e ficava com peso na consciência. Resolvi ficar. Toda a minha vida lutaram pela minha fé. Quiseram que acreditasse. Em quê, continuo sem perceber. Fiquei ali a olhar para aquela imagem tétrica que supostamente purifica, de um Jesús crucificado. Uma vez revoltei-me, chorei e gritei porque me disseram que Deus nos ama como um Pai ama os seus filhos. Foi para mim uma afronta sugerirem que havia um amor mais forte que o dos meus pais por mim. Foi uma ideia inconcebível. Continua a ser.

Acho que é por isso que a Fé é um sentimento. Como o amor. Não interessa que nos digam "gosto de ti" se nós não o sentimos, se não acreditamos. Não é amor se não o mostramos, se é só nosso, se morre cá dentro. Deixei-me ficar ali até começarem a chegar as pessoas para a próxima missa. Não rezei, mas pensei muito.

No caminho de volta, apercebi-me de que as igrejas são um bom sítio para pôr a cabeça em dia. Quando cheguei a casa, o meu Pai perguntou logo "então, como é que estás" enquanto me dava um beijo na testa. Ao contrário das outras vezes (em que entre outras coisas disse "deixa lá de ser histérico que eu estou bem"...), ri-me e dei-lhe um beijinho no nariz como fazia quando era miúda. Foi a minha maneira de dizer: "também gosto muito de ti, pai".

 
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